Tema: Sinceridade

És muito disponível. Quase sempre movido por uma genuína vontade de ajudar. Mas, na verdade, sabes que há outros motivos para essa generosidade.

Estás disponível para quem te elogia, disponível para pessoas bonitas, disponível para o que gostas, disponível para os influentes, disponível para o que promete...

E não estás disponível em casa.

Já sei que é onde passas mais tempo, mas há uma prontidão e empenho, que mostras noutros lugares, que não tens na tua principal missão. E reclamas, sobrecarregado, com o muito que já fazes.

Antes do que apetece, faz o que deves. Do que te atrai fora, existe melhor em casa.

Como não deves? Tudo te foi dado! A vida e os talentos que tens, as oportunidades que aproveitaste ou deixaste passar, as alegrias e a esperança. Tudo dom.

Se não reconheces a tua indigência, nunca acolherás o amor de Deus, nem a necessidade que tens dos outros.

Não serás agradecido, não serás humilde.

E serás, provavelmente, bastante insuportável.

Tens um fascínio por novidades. Coisas diferentes e únicas que apresentas sempre como enriquecedoras. A verdade é que tens uma conversa interessante, coisas para contar, curiosidades.

Mas andas sempre à superfície: não aprofundas um tema, não te comprometes com nada, não trabalhas verdadeiramente os teus talentos. E andas longe de Deus: atrai-te mas não te sabes dedicar.

Como aquele especialista em relações, porque teve muitas: nada sabe de amor, porque nunca teve um.

Começa a fazer escolhas.

Rezas de vez em quando, para Deus ver, se existir.

Dizes a alguns que tens muita fé. Aos que se iam rir, dizes que não ligas a essas coisas.

Tens um terço no carro, ao lado de um amuleto qualquer. Não sabes o que é nenhum deles.

Acendes uma velinha quando estás atrapalhado, e piscas o olho a um santo de quem não sabes sequer o nome.

Vives como se Deus não existisse mas dizes-Lhe que sempre acreditaste, que pode contar contigo, que sabe como é que é, que não se esqueça dos amigos...

Achas mesmo que consegues enganar Deus?!

Ficamos encantados com frases redondas. Erguemos o nosso edifício espiritual com os refrões que nos tocaram o coração. Trocadilhos giros, paradoxos, rimas, entoados bem alto.

Mas sem questionar o que dizem.

Onde acaba a tua liberdade? Por que é teu o teu corpo? O que dá dignidade à morte? O que é uma construção social? Quem dita os limites da tolerância? O que define o progresso? De quem recebeste os direitos?

Diz com convicção o que achas, mesmo que o repitas de outro. Mas tenta perceber o que dizes para poder viver com coerência. As palavras têm consequências além dos likes.

Partilhas tudo. O que fazes, onde, com quem. Têm de ver, têm de saber. Nem sabes do que gostas, só do que fica bem. Expões, expões-te, até à intimidade. Nada é só teu.

E na verdade não partilhas coisa alguma. São superficialidades que adjetivas para parecerem profundas. Mas não chegas dentro, a quem és, ao verdadeiro.

Ficaste sem nada -sem ti próprio- para partilhar. O mais popular vive só e vazio.

Larga as redes.

Às vezes não porque estás distraído. Ou porque queres ser discreto. Mas deves responder de modo que se ouça, que se note que afirmas o que crês, para quem está à tua volta e com eles.

E como não estás sozinho, tenta responder ao ritmo dos outros, uníssono, reforçando o sentido de pertença a essa comunidade.

Também não é preciso gritar! Por berrares as orações ao teu ritmo não pareces mais piedoso: pareces surdo!

A formosura atrai e vocês fazem um belo par!

Mas tens de abandonar o ar sobranceiro de quem passeia na rua uma peça de caça. E deixar de pensar que só tem sucesso quem conquista o melhor do catálogo.

Queres construir uma família. Começas mal se não consegues ver a beleza escondida. A que o amor descobre, cuida e guarda, para que ninguém roube.

Também quando o trabalho é entusiasmante, também quando há uma oportunidade de ganhar muito dinheiro, também quando há pessoas pendentes de ti.

Também quando há muito que fazer em casa, também quando há tensão ou tédio em família, também quando a doença invade a tranquilidade.

Também quando o trabalho é a desculpa ideal para fugires do compromisso. Recomeça.

Dizes que sim a tudo. Tens boa vontade mas também gostas de aparecer, de ser visto.

E por isso não consegues estar em coisa nenhuma com atenção, com profundidade, inteiro. Tens o coração dividido, sem tempo para cada pedaço.

E para cada pessoa. Queres que todos contem contigo, prometes o que não podes dar e falhas no que prometeste.

Larga coisas para garantir que estás inteiro, primeiro, no que deves. O resto, agora, vai ter de esperar. Explicando, perceberão.

Vão é deixar de louvar a tua generosidade e capacidade de fazer tantas coisas. Aceitas ou era o que te movia?

Quando ninguém vê, quanto pensas em ti? E nos outros? Quanto te vês ao espelho? Quão modesto és? Quanto tempo perdes a ver futilidades que te envergonham? Quanto perdes a formar-te? Quanto cedes à sensualidade? Quanto rezas?

Esperas pelas ocasiões em que podes dar espaço ao pior de ti? Como um alívio dos momentos em que representas para os que estão à tua volta?

O Deus que amas olha-te em todos os momentos. E espera de ti que queiras ser sempre o mesmo, porque vives sempre para Ele.

Santos casamenteiros,

Atendei a minha prece.

Para mim, um bom partido

É como vós e assim parece.

Concedei-me a vossa paz,

Que não a inquietação:

Mais vale esperar um pouco

Do que ceder à pressão.

E dai-me aquela coragem

Que não me faça corar

Quando, além de pedir,

Me decidir a procurar!

Como todos, tens talentos e defeitos. Mas, com alguma ingenuidade, preferias ter os dos outros. Dás pouco valor àquilo em que és bom e gostavas de ser forte naquilo em que és fraco. Mas não és.

Por isso, mais vale conheceres-te e deixares de ir ter com as situações perigosas em que sabes que vais cair, em que a vontade fraqueja e o coração vacila.

É melhor ir a outro sítio, com outra companhia, outra conversa, outras circunstâncias, outro momento... Se resistem todos, também podes resistir? Talvez um dia.

Mas hoje, que conheces as tuas fraquezas e sabes que é a vaidade a sugerir-te comparações, escolhe ser prudente.

Noite. Sais, divertes-te, bebes um copinho, dois, dez... apanhas uma bebedeira. Pegas no carro, rumo a casa: – E se apanho polícia? Huf! Desta safaste-te.

Outra noite. Sais, divertes-te, bebes um copinho, dois, dez... apanhas uma bebedeira. Pegas no carro, rumo a casa: – E se apanho polícia? E apanhas mesmo! Que azar! Lá vai a carteira. A consciência pesa: nunca mais o repetes.

Moral da história: tem em atenção as consequências dos teus atos.

Tem. Mas essa não é a moral cristã! O problema não é ser apanhado ou visto, pagar uma multa ou ir preso. É o que escolheste fazer de errado, mesmo que não cheguem as consequências.

É difícil perdoar. Custa largar a dor a que nos prendemos para encontrar consolo.

E mais difícil ainda reconhecer a necessidade de perdão. Admitir a própria fraqueza –ou maldade! Aceitar que não temos razão, que mentimos, que humilhamos, que usamos, que temos uma intenção retorcida.

Somos prudentes a esconder erros e astutos a procurar razões. Interessa-nos ocultar as faltas. Já pensaremos na culpa...

Mau caminho o que escolhe o orgulho em vez da esperança.

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