Tema: Ordem

Caíste. Deus ajudou-te a levantar e a ver como precisavas Dele. Respondeste, humilde, dizendo que não farias mais nada sem a Sua ajuda, que te sabias pequeno e incapaz de caminhar sozinho.

E que bom foi esse tempo de infância espiritual!

Mas a luta foi correndo bem e foste esquecendo a simplicidade. Voltou aquela sensação de que até eras capaz. Confiaste, orgulhoso, nos teus talentos e foste largando a mão de Deus. Caíste outra vez!

Volta a fazer-te pequeno. Mas, desta vez, não cresças.

Já viste a mensagem. Sem abrir a aplicação ninguém vê que viste. Se não respondes logo talvez fiquem com a ideia de que és muito ocupado. Ganhas tempo. Atrasas o esforço de ir consultar a agenda para poder responder. E tentas manter aquela ténue sensação de liberdade por não te comprometeres numa resposta.

Do lado de cá fica a dúvida: anda muito atarefado, talvez seja distraído, pode ter-se esquecido sem querer, está a tentar procurar buracos na agenda, perdeu o telemóvel, os jovens de hoje são assim...

Ou será que te estás a marimbar? Que desprezas quem ficou pendente da resposta?

É o que parece.

Que pena.

Mudavas processos, tiravas as pessoas, gastavas dinheiro, encontravas gente competente. Como se fosse tudo fácil, como se os que lá estão andassem todos a tentar o oposto.

Falta-te realismo. E falta-te caridade.

É claro que vale a pena melhorar, que deves apontar o que te parece errado. Mas serve de pouco o herói salvador que é incapaz de trabalhar com alguém. És tu, e não os outros, quem não quer fazer equipa.

Não mandes bitaites, colabora. Ou vai fazer a tua cena para outro lado.

Precisas de ler. Ainda não há um meio que o substitua, que te ajude a estruturar o pensamento, que te ensine a falar e a escrever, que te permita transmitir as ideias que tens dentro, e as que sentes sem saber expressar. E a perceber o que te dizem.

Não gostas? Aprende a gostar. Começa por coisas fáceis e breves, descobre os teus gostos, começa devagar e aguenta. Não tens tempo? Tens todo o que passas agarrado ao telemóvel.

Além disso, há muitos textos que alimentam a tua relação com Deus, começando pelos que o próprio Deus deixou escritos. Lê. Prometo que vais gostar.

Estás só? Estás carente?

Encontrarás aplicações que te arranjam alguém para passares um bom bocado. Podes escolher, de uma montra, baseado em quase nada, o perfil que te satisfaz. Não chegarás a saber o que tem de falso e verdadeiro. Nem o que pensa, que história tem, que virtudes invisíveis, que dons. Quem é.

Nem queres. Desprezas o que te apetece.

Não podes olhar assim ninguém. Nem a ti.

Talvez haja aplicações úteis, bons encontros e histórias bonitas. Se as usas para te satisfazer, és só mais um egoísta. E aprofundas, em ti e no mundo, essa tremenda solidão.

Vives numa completa desarrumação. Acumulas coisas em todo o lado, não sabes onde as encontrar, perdes imenso tempo, estragas tudo.

Às vezes pesa a consciência e dás um jeitinho: uma pilha de papéis desencontrados, três ou quatro coisas paralelas, outras tantas escondidas no armário... e segue o caos.

Vives em tensão com as coisas, não as dominas e não tens paz. Podias ter, se reservasses tempo para te organizares e arrumar o que é teu. Já sei que não tens tempo livre. Mas este tempo, para ti, não é livre: é necessário e tem prioridade.

Ainda não sei, sou capaz, tenho de ver. Gostava mesmo, é difícil, não me quero comprometer.

Diz antes: há coisas que não estou disposto a perder por tua causa ou por essa atividade, pode haver dias em que não me apetece, só respondo se souber quem vai lá estar, tenho vergonha de dizer que não porque vais descobrir que é egoísmo, tenho medo de não gostar, tenho pavor de ficar mal, estou a tentar parecer independente para te impressionar mas sou só infantil e preguiçoso, não me olhes nos olhos. Ou então diz: não.

Já está na altura de começares a escolher compromissos. E a cumpri-los.

Não vais estar em todas as festas de verão, não vais a todos os planos. Não vais ser convidado para tudo, não virão todos os que convidares. Não vão todos gostar de ti, não vais impressionar.

É que há gente que conta contigo. Tens família e amigos que deves ajudar a descansar, com o teu serviço e alegria. E não tens tempo, nem dinheiro para tudo. Nem vida interior.

Escolhe tempo de qualidade centrado nos outros, que fortaleça amizades e reforce os bons laços.

Nessa inquietação vaidosa de ceder à pressão social, é que vai mesmo passar-te tudo ao lado.

*"Fear of missing out", medo de ficar de fora, de perder eventos, informações, de não estar onde acontece o que é popular no meu meio.

Também quando o trabalho é entusiasmante, também quando há uma oportunidade de ganhar muito dinheiro, também quando há pessoas pendentes de ti.

Também quando há muito que fazer em casa, também quando há tensão ou tédio em família, também quando a doença invade a tranquilidade.

Também quando o trabalho é a desculpa ideal para fugires do compromisso. Recomeça.

Dizes que sim a tudo. Tens boa vontade mas também gostas de aparecer, de ser visto.

E por isso não consegues estar em coisa nenhuma com atenção, com profundidade, inteiro. Tens o coração dividido, sem tempo para cada pedaço.

E para cada pessoa. Queres que todos contem contigo, prometes o que não podes dar e falhas no que prometeste.

Larga coisas para garantir que estás inteiro, primeiro, no que deves. O resto, agora, vai ter de esperar. Explicando, perceberão.

Vão é deixar de louvar a tua generosidade e capacidade de fazer tantas coisas. Aceitas ou era o que te movia?

Tanto que fazer! As tarefas escapam-te das mãos e sentes não controlar nada. Não tens o coração em nenhuma. Aceitaste mais do que és capaz de cumprir e ficas paralisado!

Tenta ver o filme todo. Perde tempo a escrever tudo o que tens em mãos e marca, para cada coisa, o próximo passo. Preocupa-te com esse. O resto vem depois, quando o puderes fazer e tiveres graça para isso.

Faz bem e oferece a Deus o teu trabalho de agora. Sem deixar que a incerteza te faça desistir, que o medo vença a esperança, ou que o perfeccionismo te deixe a trabalhar sozinho.

E se fosses mais agradecido?

Agradece quem és, sem querer ser como os outros, sem querer ser o melhor.

Agradece o que tens, sem te preocupares com o que os outros têm e com o medo de o perder.

Agradece o que te é dado, sem a soberba de fazer tudo depender de ti.

Agradece quem tens ao teu lado, reconhecendo que não serias nada sem eles.

Agradece a Deus o que te deu e dá, com simplicidade e sem birras.

É que não mereces. Lembrando-o viverás muito mais alegre.

E com aqueles de quem gostas. Mas não deixes que os preparativos e a expectativa de ser o centro das atenções te façam esquecer a razão da tua alegria. Não foi Deus que levou até aí? E vais rezar menos? Esquecê-Lo entre amigos? Trocá-Lo por uma glória tão breve?

Festeja! Mas convida Deus para a festa e fica sempre ao Seu lado. A alegria sem Ele sabe a pouco, por muito bem que toque a banda!

Por isso o escolhem para a equipa.

Não inventa muito, não desiste a meio, não amua e não complica. Compromete-se e entrega, dentro do prazo, o que disse que entregava.

Antes de trabalhar como um génio, tenta trabalhar bem. É um serviço. E se procurares Deus no trabalho, ainda podes servir passando despercebido.

Querias estar sempre entretido, viver continuamente com estímulos agradáveis: trabalhar com entusiasmo, rodeado de pessoas, rir muito, comover-se, agarrar desafios, ver coisas novas...

Mas não consegues e procuras recompensas no telemóvel. É o teu melhor amigo. Faz-te parecer ocupado, tem sempre novidades, prepara coisas para ti, faz-te rir e comove-te, está sempre disponível.

E diminui a tua vida interior, estraga a tua relação com os outros e seca os teus talentos. É quando estás aborrecido que és mais vulnerável: mau momento para escolher más companhias.

Deixa-te aborrecer. Lida contigo mesmo, sem disfarçar misérias. Aceita os momentos chatos da vida e aprende a enfrentá-los com verdade.

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